domingo, 19 de dezembro de 2021

Soneto de fidelidade

De tudo, ao meu amor serei atento
antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
que mesmo em face do maior encanto
dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
e em seu louvor hei de espalhar meu canto
e rir meu riso e derramar meu pranto
ao seu pesar ou seu contentamento.
 
E assim, quando mais tarde me procure
quem sabe a morte, angústia de quem vive
quem sabe a solidão, fim de quem ama 
eu possa me dizer do amor (que tive):
que não seja imortal, posto que é chama
mas que seja infinito enquanto dure.

Vinicius de Moraes

segunda-feira, 17 de maio de 2021

Desconhecido íntimo

Só você sabe o que é ser você.

No dia 31, a reunião na varanda se iniciou cedo e eu sabia que não havia hora para terminar. A geladeira cheia de cerveja mantinha os visitantes cada vez mais animados, contando casos recentes, piadas, fazendo brincadeiras e planos para o ano de 1991.
Procurei participar daquela reunião. Mas, rapidamente o cansaço me dominou e retirei-me para o quarto. Não conseguia achar graça nas piadas, não tinha casos para contar e muito menos planos para o novo ano. Além disso, não me livrara do abatimento que sempre me fazia companhia nesta época do ano.
À noite, a alegria era maior. Voltei a estar com eles, mas não esperei a virada do ano. Arranjei uma desculpa qualquer, alguma dor de cabeça oportuna, um cansaço, e fui para o meu quarto e fechei a porta - ato que não tenho o costume de fazer. Era um recurso para evitar as brincadeiras que costumamos promover quando nos reunimos.
Demorando dormir, ouvi a comemoração da entrada do novo ano por toda a cidade. Em algumas casas, o foguetório era intenso. Na rua, alguns carros passavam buzinando e grupos de pessoas caminhavam cantando e rindo. Da varanda de nossa casa, as vozes já alteradas pela bebida chegavam aos meus ouvidos.
Uma sensação familiar foi surgindo. A tristeza aumentava mais e mais. Os momentos terríveis pelos quais havia passado afloravam. O cansaço de tanta luta se fez presente. Estava certo de que, a cada dia, a situação tendia a piorar e eu, agora mais do que nunca, não encontrava forças para enfrentar um futuro desconhecido e sombrio.
As horas passavam. As vozes na varanda iam escasseando com a saída dos sobrinhos para outros programas.
Mais uma vez indaguei ao nosso Pai como seria o meu futuro. A ausência de uma resposta imediata me levou ao choro silencioso. Como desejava que meu fim tivesse acontecido abruptamente! Como num acidente de carro, por exemplo. As lágrimas molhavam o travesseiro. Havia tomado um calmante antes de me deitar, mas não surtiu efeito. Tinha a impressão que iria ficar louco.
Algo então me passou pela cabeça.
No escuro, tendo apenas a claridade da lua entrando pela janela aberta, sentei-me na cadeira, próxima à mesa. Chorando e com as mãos tremendo, abri a terceira gaveta, retirei do fundo o objeto que estava embrulhado em flanela e o coloquei em cima da mesa. Tinha a impressão de que o coração iria saltar do peito. Pela primeira vez em minha vida pegava em uma arma. Não sabia o que fazer. E agora? - indaguei a mim mesmo sem saber como proceder. E se estiver travado? Não tinha a menor ideia de como fazer aquele troço funcionar. Qual o melhor alvo? A fonte? Testa? Peito? Ouvido? E se errar? Depois de instantes de angústia insuportável, guardei a arma.
Voltei para a cama, mas a tremedeira, o desespero e o choro ainda continuavam. Dentro de mim, uma voz gritava em alto e bom som: Seu fraco, nem para isso você presta!
No dia seguinte, todos estávamos de ressaca. Os outros, de bebida e farra, e eu...

Fabinho

quinta-feira, 13 de maio de 2021

Até já amigo...

Meu querido amigo, hoje não vou poder conversar com você, já não está mais entre nós, hoje falo para sua essência que através de um silêncio ensurdecedor me faz companhia.
Paciência, paciência, as coisas irão melhorar, confesso meu querido amigo, você tem razão.
Depois que sou obrigado todos os dias a tratar com os homens, vendo como são e se conduzem, estou mais contente de mim e dos meus.
Sem dúvida, somos construídos de forma a compararmos tudo a nós mesmos, e nós mesmos a todos, então a felicidade e a miséria existem naqueles a quem nos ligamos e... nada mais perigoso do que a solidão.
Conheço bem o sentimento de perda e o que me falta tento encontrar nos meus queridos. Adorno-os com tudo o que admiro, fazendo assim seres quase perfeitos, mas que só existem na minha imaginação.
Procuro ouvir o silêncio e, quando, apesar da minha fraqueza, continuo cumprindo minhas obrigações cotidianas, percebo que navego mais bordejando que avançando.
Paciência querido amigo, você tem razão.
Você que sempre navegou fazendo força em velas e remos e tem o verdadeiro conhecimento de si, 'marcha' igual a todos mas avança muito mais.
Obrigado por me ouvir calado, por me suportar chateado...
Pela sua fidelidade, sua sincera amizade...
Por estar sempre presente, nesses tempos tão ausentes...
Por me emprestar seu ombro, um pouco da sua vida, e muito do seu abraço...
Até breve.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Faces e instas

Eu não aguento mais, não aguento mais ver tanto sucesso de tanta gente. Tantos vitoriosos, vencedores, maravilhosos... esplendorosos.
Não aguento mais.
Gente que medita ao amanhecer, cabelo impecável, roupas que nunca amassam e imaculadamente brancas, que leram um romance russo de 1.800 páginas no último final de semana. Que numa terça feira qualquer almoça um lombo de salmão ao molho de castanha do pará com purê de mandioquinha do cerrado acompanhado de aspargos ao forno, numa terça feira... qualquer...
Não aguento mais tanta gente que 'deu certo'.
Eu, especialmente nesses meses loucos de covid, estou focado em apenas, sobreviver. Atualmente minha maior meta de sucesso é: ter um dia que termine com meus peludos alimentados e saudáveis, contas pagas e um casamento menos parecido com a 3ª guerra mundial, é... um dia de glória.
Parece que sou o único com problemas, cheio de falhas, vulnerabilidades enfim... dificuldades. O único!
Não tem nada de errado nisso? É assim mesmo?
As redes sociais existem para postarmos nossas grandes conquistas e não nossos fracassos mas, nesses tempos de covid em que estamos todos com uma vida razoavelmente caótica, parece que cada vez mais surgem vitoriosos, vencedores, maravilhosos... esplendorosos.
Leio alguns jornais, passo os olhos em alguns faces e instas e, confesso, 'tôentendendonada'. Em meio a contagem de mortos, corrupção institucionalizada e discussões sobre a utilidade ou não da vacina, estão lá... os iluminados, brilhando na casa de praia, baladas maravilhosas, na mais perfeita harmonia familiar.
Porra! Sou só eu é?
Sou o único que usa a mesma roupa dois dias seguidos, que almoça o que sobrou de ontem, que não lavou o copo que usou? Sou só eu que choro escondido de vez em quando, ou de vez em sempre?
Começo a achar que a normalidade é a plenitude e... minha vida zoneada é que é diferente.
Estou com saudade de gente normal, que tem barriga, celulite, churrasco queimado, cerveja quente, coca cola sem gás... pizza fria!
Mostrar vulnerabilidade não tem nada a ver com expor os problemas mas, ser corajoso o suficiente para não precisar fingir perfeição. Compartilhar minhas falhas me conecta a outras pessoas e elas descobrem que suas falhas são absolutamente normais, como as minhas. Vulnerabilidade gera identidade.
Nunca me imaginei como um toxic influencer.
Me esforço em ser conforto na vida de quem se interessar, e não uma pedra no sapato. Meu sapato está cheio de pedras e tudo o que preciso hoje é... conforto.