quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Foda-se

O nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à quantidade de "foda-se!" que ela diz. Existe algo mais libertário do que o conceito do "foda-se!"?
O "foda-se!" aumenta a minha auto-estima, torna-me uma pessoa melhor. Reorganiza as coisas. Liberta-me.
"Não quer sair comigo?! - então, foda-se!"
"Vai querer mesmo decidir essa merda sozinho(a)?! - então, foda-se!"
O direito ao "foda-se!" deveria estar assegurado na Constituição. Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e criativos para dotar o nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade os nossos mais fortes e genuínos sentimentos. É o povo a fazer a sua língua. Como o Latim Vulgar, será esse Português Vulgar que vingará plenamente um dia.
"Pra caralho", por exemplo. Que expressão traduz melhor a ideia de muita quantidade que "pra caralho"? "Pra caralho" tende para o infinito, é quase uma expressão matemática.
A Via Láctea tem estrelas pra caralho!
O Sol está quente pra caralho!
O universo é antigo pra caralho!
Eu gosto do meu clube pra caralho!
O cara é branco pra caralho!
Entendeu?
No género do "pra caralho", mas, no caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso "nem fudendo!". Nem o "Não, não e não!" e tão pouco o nada eficaz e já sem nenhuma credibilidade "Não, nem pensar!" o substituem. O "nem fudendo!" é irretorquível e liquida o assunto. Te liberta, com a consciência tranquila, para outras atividades de maior interesse na sua vida.
Aquele filho pentelho de 17 anos te atormentando pedindo o carro para ir surfar na praia? Não perca tempo nem paciência. Solta logo um definitivo:
"Huguinho, presta atenção, filho querido, nem fudendo!".
O chato aprende logo a lição e vai para o Shopping encontrar os amigos, sem qualquer problema, e você fecha os olhos e volta a curtir o CD (...)
Há outros palavrões igualmente clássicos. Pense na sonoridade de um "Puta que pariu!", ou o seu correlativo "Pu-ta-que-o-pa-riu!", falado assim, cadenciadamente, sílaba por sílaba. Diante de uma notícia irritante, qualquer "puta-que-o-pariu!", dito assim, te coloca outra vez nos eixos. Os seus neurónios têm o devido tempo e clima para se reorganizarem e encontrarem a atitude que te permitirá dar um merecido troco ou se livrar de maiores problemas.
E o que dizer do nosso famoso "vai tomar no cu!"? E a sua maravilhosa e reforçadora derivação "vai tomar no olho do cu!"? Já imaginou o bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite do suportável, se dirige ao canalha de seu interlocutor e solta: "Chega! Vai tomar no olho do cu!"?
Pronto, retomou as rédeas da sua vida, a sua auto-estima. Desabotoa a camisa e sai à rua, vento batendo na face, olhar firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor-íntimo nos lábios.
E seria tremendamente injusto não registar aqui a expressão de maior poder de definição do Português Vulgar: "Fudeu!". E a sua derivação, mais avassaladora ainda: "Fudeu tudo!". Conhece definição mais exata, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora complicação? Expressão, inclusivé, que uma vez proferida insere o seu autor num providencial contexto interior de alerta e auto-defesa. Algo assim como quando você está atrasado para uma reunião importante, sem documentos do carro, sem carteira de motorista e ouve uma sirene de polícia atrás de de você, mandando encostar. O que dizer? "Fudeu tudo!"
Ou quando percebe que é de um país em que quase nada funciona, o desemprego não baixa, os impostos são altos, a saúde, a educação e... a justiça são uma merda, os empresários são de baixa qualidade, o rádio só toca funk e a "presidenta" não é mais do que um fantoche... você pensa “Fudeu tudo!”
Então:
Liberdade, igualdade, fraternidade e
foda-se!!!
Mas não se desespere:
Este país … ainda vai ser “um país do caralho!”

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