quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Pai

Meu pai, seu Clovis...
Nunca esperou recompensas, mas ficava feliz caso e quando chegassem.
Sabia fazer o necessário por cima e por dentro da incompreensão.
Aprendeu a tolerância com os demais e experimentou a dura intolerância com os próprios erros.
Aprendeu errando, a hora de falar e de calar, contentar-se em ser reserva, coadjuvante, deixado para depois, mas jamais faltou no momento preciso.
Teve coragem de ir adiante, tanto para a vida quanto para a morte.
Viveu as fraquezas que depois corrigiu nos filhos, fazendo-se forte em nome deles e de tudo o que os cercasse.
Aprendeu a ser contestado mesmo quando no auge da lucidez.
Sabia que experiência só adianta para quem a tem e só se tem vivendo, portanto, tolerou a dor de ver os filhos passarem pelos sofrimentos necessários buscando protegê-los sem que percebessem, para que tivessem a oportunidade de descobrir os próprios caminhos.
Tinha o dom de saber e calar, fazer e guardar, dizer e não insistir, falar e dizer, dosar e controlar-se, dirigir sem demonstrar.
Viu dor, sofrimento, vício, queda e tocaia sem jamais transparecer aos filhos como a alma lhe era corroída.
Nunca transferiu aos filhos a quota de sua imperfeição, o seu lado fraco, desvalido e órfão.
Aprendeu a ser ultrapassado mesmo lutando para se renovar, compreendeu sem alardear a esperar o tempo de colher, ainda que não fosse em vida.
Sufocou a necessidade de afago e compreensão mas, deixou-se ir às lágrimas quando chegaram.
Soube ir-se apagando à medida em que mais nítido se fazia na personalidade dos filhos, sempre como influência, jamais como imposição.
Meu herói na infância, exemplo na juventude e amizade na idade adulta.
Soube brincar e zangar-se, formou sem modelar, ajudou sem cobrar, ensinou sem demonstrar, sofreu sem contagiar, amou por amar.
Soube receber raiva, incompreensão, antagonismo, atraso mental, inveja, projeção de sentimentos negativos, ódios passageiros, revolta, desilusão, e apesar de tudo, respondeu com capacidade de prosseguir sem ofender e de insistir sem mediação.
Foi certeza, porto, balanço, arrimo, ponte, mão que abre a gaiola, amor que não prende, fundamento, enigma, pacificação.
Atingiu o máximo de angústia no máximo de silêncio, o máximo de convivência no máximo de solidão.
Colheu as vitórias exatamente quando percebeu que os filhos a quem ajudou a crescer, já, dele, não necessitavam para viver.
Esse é o meu pai, que se anula na obra que realizou e sorri por tudo haver feito para deixar de ser importante, tornando-se insequecível.
Parabéns! 90 anos de exemplo!

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