Na quietude desta noite densa,
reclamei numa saudade a presença
do meu Pai, que há muito faleceu...
triste e só, fiquei na sala,
sem ouvir de ninguém uma só fala:
todos dormiam entregues a Morfeu.
Continuei sozinho da vigília,
contemplando a placidez da mobília,
num silêncio quase que perfeito;
quebrando apenas com o murmúrio da mente,
o barulho do relógio intermitente
e o pulsar do coração dentro do peito.
De repente, coberta com um véu,
uma nuvem nascia no céu,
na sala onde eu estava, cai...
era algo de espanto realmente
dissipa-se a nuvem lentamente
e vai surgindo a imagem do meu pai.
Boa noite, meu filho! Por que se assusta?
Um pouco de calma, porque custa
novamente voltar por este trilho:
Eu rompi os umbrais da eternidade
para, em braços de amor e de saudade,
conversar com você, filho querido...
Tenho acompanhado os seus passos,
suas lutas, vitórias e fracassos,
em ânsias que não posso mais contê-las:
eu lhe assisto, meu filho, todo dia,
em suas vitórias choro de alegria
e as lágrimas transformam-se em estrelas.
Tenho visto também seus sofrimentos
suas angústias, dores e tormentos
e esperanças que foram já frustradas;
tenho visto, meu filho, da eternidade,
o desencanto de sua mocidade
e o seu pranto nas madrugadas.
Compreendo, também, sua tristeza
ante a ânsia que traz na alma presa
de voar cortando monte e serra;
sua ânsia de se soltar, cantando notas,
misturar seu vôo ao das gaivotas,
que beijam os céus sem deixar a terra.
Conduza-se na vida com altivez,
fazendo da probidade, da honradez,
para você o seu forte brasão;
aprofunde-se, meu filho, no estudo,
fazendo da justiça o seu escudo,
amando o povo como a um irmão.
Continue no trabalho a que se entrega
sem temer obstáculo nem refrega,
pois com a vitória sempre você vai,
e se assim fizer, querido filho,
sua vida há de ser toda de brilho,
e honrará o nome de seu pai.
E nisso a nuvem comoventemente,
aos poucos se junta novamente,
envolvendo meu pai num denso véu;
e num olhar meigo e bem sereno,
dirige para mim um triste aceno
e vai de novo subindo para o céu!
E eu fico chorando de saudade,
alimentando aquela ansiedade,
sem poder abrandá-la. Que castigo!
Por isso não durmo. Vivo na ânsia,
esperando que meu Pai rompa a distância,
prá vir de novo conversar comigo.
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