quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Se, eu ficar velho

Se eu ficar velho, quero me lembrar de que aproveitei cada minuto da minha vida como se fosse o único que eu tinha, mesmo quando tive que passar esse minuto em sofrimento, só, ou sem esperanças.
Quero me lembrar de que nunca me queixei nem da chuva, nem do frio, nem do sol, nem do calor nem de coisa nenhuma, nem de ninguém, que fui grato a todos com quem eu me encontrei e a tudo o que me aconteceu, de bom e de ruim, e que tudo só serviu para eu crescer um pouco mais, mesmo quando eu achei que ia me derrubar de vez. Tudo isso fez com que hoje, eu seja eu.
Quero me lembrar de que eu fui eu a maior parte do tempo e, que mesmo aos pedaços eu consegui ser inteiro, que nunca ocultei nem meu rosto nem minhas intenções por trás de nenhuma máscara, em nome de nenhum cargo ou papel, nem permiti que qualquer responsabilidade, por maior que fosse, me deixasse sizudo, pedante, prepotente e chato.
Quero me lembrar de que jamais troquei a minha liberdade por nenhum outro bem, por mais atraente que fosse, e mesmo quebrando a cara, sempre segui a minha própria cabeça, respeitando os meus queridos e ouvindo o meu coração.
Quero contemplar o meu passado sem nenhuma sensação de perda ou de arrependimento, tendo a certeza de que, se deixei de fazer algo, não terá sido por auto-repressão, mas por livre-arbítrio.
Quero me lembrar de que eu dancei, cantei e brinquei e fui feliz até na infelicidade.
Quero me lembrar da minha mulher.
Quero me lembrar dos meus filhotes peludos.
Quero me lembrar de que me vesti com as roupas e enfeites que tive vontade, que mais gostava e, a menos que o ambiente me exigisse e eu estivesse disposto a acatar a exigência nunca me trajei de modo solene e sem graça só para parecer sério e importante.
Quero me lembrar que andei descalço, de bicicleta, que empinei pipa no morro, tomei banho de cachoeira, nadei pelado na praia, comi pipoca, chupei picolé, escrevi poesia, caí de bêbado, fiz bobagem, beijei na boca, namorei de paixão, briguei de não voltar, fiquei na fossa, voltei, chorei no cinema, chorei na realidade, sonhei nos dois, e tive sarampo, catapora, caxumba e fantasia sexual, enfim, que vivi sem me importar com a idade mas com a intensidade.
Mas o que eu quero mesmo, se eu ficar velho, é ter a certeza íntima que eu envelheci sem ficar velho...

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